António Jorge Branco (1937-2011) foi jornalista e formador de rádio, definido como homem de construção e mestre do seu ofício. Ele fora amador de rádio ao fazer programas numa das estações dos Emissores do Norte Reunidos (Porto), antes de ir para Angola como engenheiro civil, onde fez estradas. Ele podia deslocar-se, por exemplo, do Lobito para Luanda para fazer um programa de rádio, a sua paixão. Como o irmão José Mário Branco, músico, se exilou em França, ele temeu pela sua segurança e também foi para França. Em França, nunca fez, mas ouvia rádio.
Dele, conta-se a história mítica de, logo depois de 25 de abril de 1974, montar uma mota e viajar diretamente de Paris para Lisboa e anunciar-se nas redações das rádios: “cheguei”. Entraria na Emissora Nacional e mudou logo os noticiários, abandonando a hierarquia rotineira de informação – presidente da República, presidente do conselho de ministros, ministro. Depois dessa data, o noticiário poderia abrir com uma greve, ou o operário a falar da greve, possivelmente a notícia mais importante. Dotado de grande capacidade de trabalho e enorme capacidade de síntese, António Jorge Branco produzia a informação como era feita em França. No final de 1975, era responsável da redação do jornal da manhã (António Pais à tarde e Eduardo Paz Ferreira à noite). Chegou a subdiretor de informação da RDP, na altura em que surgiam as designações de Antena 1, Antena 2, Rádio Comercial e Rádio Comercial FM. Adquiriu o título de jornalista ao serviço da Radiodifusão Portuguesa (RDP) em 1978. Um colega diria dele ser capaz de se escalar a si próprio para fazer madrugadas quando não havia gente na redação.
Em março de 1981, quando o programa eleitoral do novo governo apresentou a proposta de reprivatizar a rádio, seria criada a TSF – Cooperativa de Profissionais de Rádio, constituída por Adelino Gomes, Albertino Antunes, António Jorge Branco, António Rego, Armando Pires, David Borges, Duarte Soares, Emídio Rangel, Fernando Alves, Jaime Fernandes, Joaquim Furtado, João Canedo, José Videira, Mário Pereira e Teresa Moutinho. Na rádio que emitia noticiários de meia em meia hora, ele foi responsável por vários programas, incluindo Dicionário da Rádio, Lendas e Calendas e Portugal Passado (série de teatro radiofónico que recriava os episódios mais marcantes da História portuguesa). Muitas destas deliciosas rubricas – a estudar com rigor – estão guardadas no arquivo da TSF.
Por exemplo, Lendas e Calendas eram histórias curtas, baseadas no espólio das lendas portuguesas, ligadas ou não a factos históricos. A conceção, narração e realização pertenciam-lhe e a montagem e misturas digitais de Luís Borges, passando na antena da TSF entre outubro de 2006 e junho de 2007. Anos antes, dera paixão a Dicionário da Rádio. Recordo, a título de exemplo, a rubrica Água na Rádio, onde, após se referir a Watermusic de Hendel, mostrou exemplos de azares em direto como uma música dedicada a ouvintes carecas ou a sinfonia de Beethoven ter quatro andamentos – primeiro, segundo, terceiro, quarto.
O radialista foi também presidente do Conselho Deontológico do Sindicato de Jornalistas. Quem o conheceu disse ser ainda um fazedor de felicidade, embora de feitio complicado. Por vezes, sentava-se a tocar num piano de bar na Ribeira portuense as canções dos grandes festivais da canção, em ambiente de tertúlia extraordinária. António Jorge Branco tinha um 2 CV vermelho que usava para atravessar o Marão (dava formação em Vila Real). Uma outra marca seria a boquilha para o seu cigarro.
Pioneiro da formação em rádio, ele integrou o núcleo de monitores dos cursos de aperfeiçoamento da RDP em 1977 (ainda antes do francês Édouard Guibert, que atualizaria a cultura da rádio em 1979), foi formador do Centro de Formação de Jornalistas (CFJ, Porto, 1983), e do Centro Protocolar de Formação Profissional para Jornalistas (Cenjor, Lisboa, 1986).
No começo da década de 1990, António Jorge Branco foi professor de radiojornalismo na Escola Superior de Jornalismo. A primeira matéria que lecionava era a revista de imprensa. Recordaria um antigo aluno: “Vocês espalham os jornais sobre a mesa, depois sobem no helicóptero e começam a pairar sobre as primeiras páginas; recolhem os destaques, as notícias comuns e tentam apanhar mais algumas que saltem à vista.
Depois pousam o helicóptero e fazem a revista de imprensa” (https:// meiosdeproducao.blogspot.com/2011/07/antonio-jorge-branco-1937-2011.html). Ele não admitia atrasos na entrada da aula no estúdio, marcando até falta. Cada aluno obrigava-se a ouvir um noticiário, debater e, depois, partir dos jornais ou da matéria noticiosa registada, fazer o seu próprio noticiário, procurando um discurso natural, coerente, redondo, coloquial e pausado, de forma a dar ênfase a determinado facto ou matéria, quando se justificasse, mas sempre dirigido ao ouvinte. Muitas vezes, enquanto os alunos preparavam as notícias, ele telefonava para a redação da TSF em Lisboa a criticar ou elogiar o jornalista que lera as notícias.
Autor: Rogério Santos, 2021.
Texto original, com imagens, em https://radio.hypotheses.org/4125.
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